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01/10/2024

SBCM entrevista Dr. Mateus Saito, ortopedista do Comitê Olímpico do Brasil e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão

Dr. Mateus Saito é uma figura de destaque no cenário da medicina esportiva e ortopedia no Brasil. Como membro do Comitê Olímpico Brasileiro e da Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão, além de ter participado de eventos olímpicos em Londres, Rio e Paris, ele traz uma vasta experiência tanto no campo clínico quanto na gestão da saúde esportiva.

Nesta entrevista exclusiva à SBCM, Dr. Saito compartilha sua trajetória, desde sua formação na USP até os desafios enfrentados no cuidado de atletas de elite, oferecendo uma visão profunda sobre a evolução da medicina esportiva e as lições aprendidas ao longo de sua carreira. Leia a seguir:

SBCM – Dr. Saito, você começou sua carreira médica na Faculdade de Medicina da USP, onde também completou sua residência e especialização. O que o motivou a escolher a ortopedia e a cirurgia da mão como suas áreas de atuação?
MATEUS SAITO –
O aparelho locomotor, o movimento, a atividade física sempre me interessaram durante a graduação. Escolhi a ortopedia por ser uma especialidade objetiva, que me permitiria ajudar não só os doentes, mas também pessoas saudáveis com lesões, para que pudessem se recuperar ao estágio anterior. Dentro da ortopedia, percebi que tinha habilidades para procedimentos mais complexos e delicados, além de enxergar na cirurgia da mão uma oportunidade de me inserir no mercado, realizando procedimentos que outros ortopedistas não faziam, tornando-me útil em equipes com diversas especialidades.

SBCM – Você possui um extenso currículo acadêmico e clínico, incluindo um doutorado e um MBA. Como essas qualificações têm influenciado sua abordagem à medicina esportiva e à gestão da saúde no esporte?
MS –
Todos nós começamos como técnicos: graduação, residência e pós-graduação. Entretanto, a visão técnica é apenas uma parte de um conjunto maior, com influências econômicas, sociais e estratégicas. Para ter uma visão global, percebi a necessidade de uma formação complementar. O MBA me pareceu muito prático e positivo, permitindo-me entender não só o mercado, mas também as estruturas de saúde. Essa visão me ajuda a compreender de onde vêm os recursos, como são consumidos e as maneiras de otimizar esses recursos. Isso tem sido muito útil no meu papel como coordenador de departamento médico de confederação, e me auxilia a entender que, para cada procedimento, exame ou solução que dou ao paciente, existe um custo, um benefício, e é preciso otimizar o uso desses recursos para garantir a sustentabilidade da atividade médica.

SBCM – Com sua experiência como médico do Time Brasil nas Olimpíadas de Londres e Rio, como você descreveria a evolução da medicina esportiva e as principais mudanças que observou entre esses eventos e as Olimpíadas de 2024?
MS –
Inicialmente, a medicina esportiva era muito focada na traumatologia, na prevenção e no tratamento de lesões. Com o tempo, entre os Jogos de Londres e do Rio, a função do médico do esporte evoluiu para um caráter preventivo, analisando outros parâmetros clínicos, utilizando-se de fisiologia e de laboratórios de biomecânica para melhorar a performance com segurança. Finalmente, no ciclo de Paris, começou-se a dar muita atenção às questões psicológicas. Muitas vezes perdemos atletas por questões psicológicas, e o uso adequado de técnicas e orientações comportamentais pode não só melhorar o desempenho, mas também tornar a prática esportiva um prazer, tanto para o atleta quanto para os que ele inspira.

SBCM – Participar das Olimpíadas é um grande desafio. Quais são as principais diferenças e semelhanças na abordagem médica que você observou nos Jogos Olímpicos de Londres, Rio e Paris?
MS –
Primeiro, quanto às semelhanças: no Brasil, existe um departamento médico do Comitê Olímpico que, ao longo do ciclo, convida e analisa o desempenho de colegas nos grandes eventos. Geralmente, esses médicos vêm de confederações, já participaram de atividades internacionais e são convidados a integrar a equipe. Do lado da Comissão Organizadora, existe uma Policlínica na Vila Olímpica, com várias especialidades e exames laboratoriais e de imagem comuns. Em Londres e no Rio de Janeiro, havia inclusive tomografia e ressonância magnética disponíveis na Policlínica. Já em Paris, observamos uma simplificação dos recursos, com menos exames complexos e maior foco na atenção primária, deixando os exames mais avançados para os hospitais.

Outra mudança foi a presença de mais médicos especializados em medicina esportiva, formados em residências. Esses profissionais têm uma visão completa tanto da parte traumatológica quanto da parte clínica, sendo que muitos atuam principalmente em clubes e equipes. Em 2024, eles já compunham a maioria do quadro, com os traumatologistas em segundo lugar.

SBCM – Você tem um papel significativo na Confederação Brasileira de Judô e no Comitê Olímpico do Brasil. Como a experiência e o conhecimento adquiridos em sua atuação com diferentes esportes contribuem para seu trabalho como ortopedista?
MS –
Fui membro do Departamento Médico da Confederação de Judô desde 2009 e atuei como coordenador do Departamento Médico no ciclo de Tóquio, de 2017 a 2021. Após Tóquio, me aposentei dessa função, mas continuei a colaborar com o Comitê Olímpico em diversas modalidades no ciclo de 2024. Atualmente, sou coordenador médico da Confederação de Baseball e Softball. Toda essa experiência em grandes eventos traz benefícios para os pacientes do consultório. Um exemplo que dou é a comparação com a Fórmula 1, onde um carro precisa performar ao máximo naquele momento. Dentro de parâmetros éticos e de segurança, fazemos tudo o que é possível para que o atleta se recupere e performe. As soluções que utilizamos para os atletas também podem ser aplicadas aos pacientes no consultório, ajudando-os a retornar às suas atividades esportivas ou laborais mais rapidamente.

A confiança que ganhei ao atender atletas de elite também me permite motivar pacientes, sejam amadores ou não-atletas, a aderirem aos tratamentos e, assim, aumentar as chances de sucesso no tratamento de suas lesões.

SBCM – Durante as Olimpíadas de 2024, o que mais chamou sua atenção em termos de organização e infraestrutura? Houve algum detalhe específico que se destacou para você?
MS –
Dois detalhes me chamaram a atenção nas Olimpíadas: o primeiro foi a segurança, com uma grande quantidade de militares armados, inclusive preparados para combater drones. O segundo foi o incentivo ao uso do transporte público pelas equipes, diferente de outras competições que exigiam transporte exclusivo, bloqueando muitas vias da cidade. O uso das vias de mobilidade existentes em Paris foi uma solução eficiente. Apesar dos receios, o clima na cidade estava muito tranquilo e organizado, em parte pelo espírito olímpico, em parte pela recomendação para que aqueles que não estivessem interessados nos esportes tirassem férias e viajassem para fora da cidade.

SBCM – Como coordenador da Pós-Graduação em Medicina Esportiva, quais são as principais competências que você acredita que um residente deve desenvolver para se destacar na medicina esportiva e, eventualmente, trabalhar em grandes eventos como as Olimpíadas?
MS –
Primeiro, as competências técnicas (hard skills). O médico do esporte precisa entender de fisiologia, nutrição e biomecânica, deve saber fazer uma avaliação pré-participação completa e segura, entender os gestos esportivos dos principais esportes e as lesões articulares associadas. Além disso, são necessárias habilidades interpessoais (soft skills), como trabalho em equipe e comunicação eficaz com fisioterapeutas, fisiologistas, psicólogos e nutricionistas. O médico também precisa ser resiliente, pois competições de grande porte são situações de grande tensão. A carreira de muitos médicos esportivos começa em confederações esportivas, então é importante buscar aquela com a qual se tenha afinidade e se voluntariar para eventos. Esses eventos chamam a atenção de outras organizações e podem abrir portas para eventos internacionais, como Jogos Sul-Americanos, Pan-Americanos, Universíades, Jogos Mundiais da Juventude, entre outros. O primeiro passo geralmente vem da confederação esportiva.

SBCM – O que você considera os maiores desafios para médicos que atuam com atletas de elite, e como você lida com essas pressões para garantir o melhor atendimento possível?
MS –
Os maiores desafios no tratamento de atletas de elite são, primeiramente, o alto nível de exigência física. O atleta não precisa estar apenas bem, mas no auge da forma física, o que muitas vezes exige recursos e tratamentos que não estão disponíveis para a maioria dos pacientes. Um exemplo é o uso de uma esteira antigravitacional, que permite ao atleta correr sem a carga total do peso corporal, algo difícil de encontrar. Outro desafio é lidar com a ansiedade. Para o atleta de elite, o desempenho pode ser a diferença entre o sucesso e o esquecimento no próximo ciclo. Isso cria uma grande pressão, e muitos atletas chegam com informações incompletas sobre tratamentos milagrosos ou recomendações de profissionais menos éticos.

Outro desafio é lidar com as organizações de suporte ao atleta, como patrocinadores e confederações, que podem pressionar para que ele volte logo à competição. Precisamos equilibrar esse retorno com a segurança do tratamento.

SBCM – Pode compartilhar uma experiência marcante ou um caso desafiador que vivenciou durante sua carreira médica com atletas e como isso impactou sua abordagem profissional?
MS –
Na minha primeira Olimpíada, em Londres, estávamos na fase de aclimatação da seleção de judô, e uma atleta passava mal durante todos os treinos. Inicialmente, achamos que fosse ansiedade ou uma tentativa de chamar a atenção, já que os exames pareciam normais. No entanto, a nutricionista identificou que o nível de cortisol da atleta estava abaixo do ideal, algo sutil, mas importante. Conseguimos buscar a orientação de um especialista, que prescreveu a medicação permitida pelas normas de doping. A atleta se recuperou a tempo de competir e conquistar uma medalha. Essa experiência me ensinou a importância de uma atenção plena e do trabalho em equipe. Percebi que, ao estar totalmente focado em uma situação, a chance de sucesso aumenta, e aprendi a valorizar a contribuição da equipe multidisciplinar, que muitas vezes traz perspectivas e soluções que eu não teria encontrado sozinho.

SBCM – Para os jovens profissionais que desejam seguir a carreira de medicina esportiva, quais são as etapas mais importantes a serem seguidas e as estratégias para conseguir se estabelecer nessa área altamente competitiva?
MS –
Em primeiro lugar, procure uma boa formação técnica, seja por meio de uma residência, caso você deseje que essa seja a sua principal atividade, ou por meio de uma pós-graduação, onde você pode complementar a sua formação utilizando a prática esportiva com segurança como uma ferramenta para os seus pacientes. O segundo passo estratégico é buscar uma confederação ou modalidade com a qual você tenha afinidade, que seja organizada e que possa te levar a eventos nacionais e internacionais. O terceiro ponto é entender que não é necessário focar apenas nos Jogos Olímpicos como primeira meta. Existem várias outras atividades que podem te conduzir até os Jogos Olímpicos, como competições internacionais da sua modalidade ou específicas, como jogos de praia e jogos de inverno. O esporte universitário, com suas variações, também é um caminho internacional muito rico para seguir nessa área.

Portanto, tenha paciência e procure confederações organizadas. Uma boa formação é essencial; a residência é a melhor opção, mas, para quem é de outra especialidade, uma pós-graduação bem estruturada pode oferecer as ferramentas necessárias para trabalhar com segurança e, inclusive, atender aos requisitos para a prova de título. 

 

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