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05/09/2024

O impacto nas famílias de crianças com diferenças congênitas nas extremidades superiores

The Impact on Families of Children With Congenital Upper Extremity Differences

Sarah Ballatori, MD; Andrea Bauer, MD; Angela Wang, MD; Julie Samora, MD; Suzanne Steinman, MD; Claire Manske, MD; Apurva Shah, MD, MBA; Lindley B. Wall, MD, MSc; CoULD Study Group. Published:April 16, 2024DOI:https://doi.org/10.1016/j.jhsa.2024.02.011

por Giana Silveira Giostri
Especialista em ortopedia e cirurgiã da mão em Curitiba (PR)


Inicio este comentário chamando atenção para os autores deste artigo multicêntrico nos EUA. Fazem parte de um grupo de cirurgiões da mão pediátrica, médicos pesquisadores que, por meio da investigação colaborativa, são comprometidos com o avanço no entendimento e tratamento de diferenças congênitas em mãos e membros superiores. O Congenital Upper Limb Differences (CoULD) Registry proporciona a partilha de informações com foco em resultados centrados nas crianças com diferenças congênitas, visando melhor avaliar estado de saúde e função, procurando quantificar melhorias nos cuidados não operatórios e cirúrgicos dessas crianças.

Esta pesquisa altera o escopo da avaliação do cuidado, focando nos familiares e cuidadores de crianças com diferenças congênitas em mãos e membros superiores. Os autores partem da premissa, ainda não bem estabelecida na literatura, de que a atenção constante à criança comprometida por diferenças congênitas desde o nascimento, ou mesmo antes, pode afetar a família de diversas formas, criando dificuldades pessoais, sociais e econômicas. Acreditam que essa visão dos cuidadores sobre o impacto psicossocial familiar poderá ajudar na identificação de famílias em risco que necessitam de maior assistência, além de desenvolver o conceito de abordagem multidisciplinar ao núcleo familiar.

O IOFS (Impact on Family Scale) é um instrumento de pesquisa utilizado e validado por alguns estudos que investigaram o impacto psicossocial nas famílias por outras doenças infantis que não diferenças congênitas em mãos e membros superiores, como alterações cardíacas congênitas, doenças crônicas infantis, paralisia cerebral, paralisia do plexo braquial do nascimento, entre outras. A escala IOFS original foi publicada em 1980 e revisada posteriormente em 2003. Inclui pontuação total e subescala que contempla pontos para tensão financeira, social, pessoal e capacidade para lidar com a situação. As perguntas são apresentadas em escala de quatro pontos do tipo Likert que varia de “concordo totalmente” a “discordo totalmente”. As pontuações originais e revisadas foram calculadas para analisar efetivamente a coorte do estudo e comparar com os resultados da literatura, apresentados na tabela 1 do artigo.

A população pesquisada foi composta por cuidadores de crianças com diferenças congênitas em mãos e membros superiores inscritos no CoULD Registry, considerando um corte transversal de aproximadamente três meses. As perguntas, enviadas por e-mail, incluíram dados demográficos básicos da criança e dos cuidadores, e variáveis espe cíficas de interesse, como renda familiar, tipo de seguro saúde, número de cuidadores adultos, história familiar da diferença congênita, associação de síndromes, envolvimento do membro inferior e detalhes do tratamento, incluindo a distância para consulta com cirurgião da mão. De 2.173 e-mails válidos, apenas 14% participaram da pesquisa, totalizando dados de 299 cuidadores, que podem ser checados na tabela 2 do artigo. Esses dados foram integrados aos resultados de dois outros escores de avaliação, Pediatric Outcomes Data Collection Instrument (PODCI) e Patient-Reported Outcomes Measurement Information System (PROMIS), que qualificam subcategorias como mobilidade, membro superior, esportes, dor, felicidade (PODCI) e depressão, interferência da dor, relações com pares e ansiedade, esses últimos sob a visão do paciente (PROMIS). Os autores analisaram também a associação entre os resultados desses escores e os do impacto familiar (IOFS), que podem ser observados na tabela 3 do artigo.

DISCUTINDO RESULTADOS
Esta pesquisa demonstrou que cuidadores de crianças com diferenças congênitas nas extremidades superiores reportaram impacto psicossocial significativo em suas vidas familiares. Os fatores mais fortemente relacionados ao aumento desse impacto foram o uso de seguro saúde público, renda familiar entre $20.000 e $40.000 (com ênfase para gastos com viagens para consultas médicas), cuidadores adultos solteiros, envolvimento bilateral de membros superiores e outras alterações musculoesqueléticas associadas.

Ao confrontar os resultados do IOFS com outros estudos em populações infantis que utilizaram essa escala, este estudo observou maior impacto familiar para crianças com diferenças congênitas em membros superiores do que relatado anteriormente para lesão do plexo braquial no nascimento e menor do que para paralisia cerebral e doença cardíaca congênita (ressaltando a heterogeneidade desses estudos comparáveis que abrangem ampla gama de doenças infantis crônicas, idades de pacientes e áreas geográficas com realidades diferentes). Importante ainda mencionar que a paralisia do plexo do nascimento é a condição mais próxima para comparação com as diferenças congênitas de membros superiores, uma vez que aparece desde o nascimento e é restrita ao membro superior.

A análise dos resultados entre o impacto familiar e quase todas as categorias dos escores pediátricos PODCI e PROMIS demonstrou correlação inversa com o IOFS. A interferência da dor do PROMIS obteve relação positiva, ou seja, quanto maior a dor, maior o impacto familiar. Como era esperado pelos autores, resultados mais favoráveis relatados pelos pacientes correlacionaram-se com a redução de carga e dificuldades relatadas pelos cuidadores. Ou seja, intervenções médicas e multidisciplinares (como grupos de apoio) tendem a melhorar o estado psicossocial e a saúde geral de crianças com diferenças congênitas em membros superiores. Essas recomendações devem ser expandidas aos familiares e cuidadores, visando antecipar a possibilidade de sobrecarga familiar e auxiliar com suporte financeiro, social e psicológico.

Os pesquisadores foram rigorosos ao citar as limitações do estudo. Estudo transversal com apenas um momento para coleta de dados. Pequena porcentagem de respostas dos cuidadores (14%), que representa um pequeno segmento da coorte registrada, podendo levar a falhas em observações e conclusões. Poder limitado na análise post hoc, mitigado pelo oferecimento de dados brutos, possibilitando a análise das diferenças pelos leitores. Presença de potencial viés de memória nas respostas autorreferidas. Maior número de respostas relatadas por cuidadores brancos com nível mais alto de instrução, diferindo da população do CoULD Registry e impedindo a análise da relação do impacto psicossocial familiar com nível educacional ou raça dos cuidadores. O recrutamento por e-mail, apesar de eficaz, pode ter sido fonte de preconceito, limitando o acesso de cuidadores com nível socioeconômico mais baixo.

Finalizo ressaltando que a compreensão detalhada da perspectiva do cuidador é essencial para a atenção ampla e completa à família de crianças com diferenças congênitas em membros superiores. A abordagem multidisciplinar é relevante, especialmente quando estiverem associados fatores como cuidador único, baixa renda, seguro saúde público e pacientes com acometimento bilateral e associação a outras condições musculoesqueléticas. 

 

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